quarta-feira, 27 de agosto de 2008

A Insustentável Dureza do Ser

Sabe quando o Garfield reclama das segundas-feiras? Se ele trabalhasse numa porcaria de uma locadora então teria motivos maiores para um ataque de stress matinal. Agora, além de ser preguiçoso como o gato gordo, também peguei raiva do dia que começa uma semana na prática.


Segunda é o dia de arrumar toda a bagunça deixada pelo movimento do final de semana. Temos que arrumar prateleiras, dar baixas em filmes devolvidos, cobrar os relapsos que esqueceram de devolver os seus e até dar uma limpada no lugar.

E parece que deixaram uma bagunça de semanas para que eu começasse minha primeira segunda na nova RST com o pé, na porta. Se eu encontrasse O Massacre da Serra Elétrica junto com os filmes do Rei Leão não me assustaria.


Para nos ajudar, Eduardo e eu, foi recrutada uma garota chamada Ana, do turno da noite, que ganhou esse “castigo” por ter xingado o Luís.


-Por que você não foi despedida? – o Edu perguntou.

-Porque eu o xinguei com razão – Ana respondeu.

-Por que você o xingou?

-Não vou falar, mas não é isso que vocês estão pensando.

-Que modéstia, hein!

-Vê se te manca cara – ela disse.

Eles discutiram mais um pouco, mas eu caí fora porque não estava afim de ouvir porcarias.


No meio da arrumação, uma mulher começou a bater na porta querendo entrar.

-Hei! Johnny, vai lá falar com ela – o Edu disse.

-O quê eu falo? – eu disse.

-Não, deixe que eu vou – Ana interrompeu.

E ela foi.

-Pois não? – Ana começou.

-Eu queria pegar um filme – respondeu a mulher.

-É verdade? Achei que você estava procurando por tapetes!

-Hahaha, vai abrir ou não?

-Não. A gente está arrumando a locadora. Não sabe ler? – Ana indicou o aviso na porta.

-E daí? Já deu o horário de ela estar aberta!

-Então porque você não entra e...


E antes que a Ana continuasse, eu a interrompi para que quando o Luís voltasse, não encontrar corpos mutilados no chão da RST. A mulher pegou o filme e foi embora jogando pragas.

-Aí que raiva dessas pessoas que se acham donas de tudo – Ana disse.

-Mas qual era o problema dela pegar um filme? – eu disse.

-A gente estava fechado e pronto. Se todos ficarem abrindo concessões para todo mundo...

-Ela tá de TPM – Edu disse.

-Cala a boca meu, seu machista do caramba, uma mulher não pode ficar irritada?

-E porque você tá tão irritada? – eu disse.

-Essas pessoas que me deixam irritada!

-Imagine se você trabalhasse de garçonete ou de operadora de tele-marketing – eu disse.

-Ou de síndico – Edu acrescentou.

-É, essas pessoas, sim, ouvem muita merda.

-Não é isso. O problema é que as pessoas andam por aí todas irritadas pra lá e pra cá, xingando Deus e o mundo porque suas vidas são uma montanha bem grande de bosta estressante – Hehehe, ela falou assim mesmo.

-Olha quem fala – o Edu disse.

-Eu incluída né, cara!

-Você devia ficar no seu quarto, trancada, ouvindo The Cure e Joy Division chorando as pitangas.

-O que isso tem a ver meu?

-Você é muito pessimista.

-Não sou pessimista, sou realista – ela completou.


Agora eu acho que ela deve ler umas coisas tipo Schopenhauer e Nietzsche. Que uruca!


-Na minha opinião as pessoas ficam reclamando porque tem medo de sair de suas zonas de conforto e fazer outras coisas – Edu disse.

-Como assim? – ela perguntou.

-É que, não fazer nada e reclamar é mais cômodo, capisce?

-Nada a ver cara, as pessoas não têm o que fazer, o mundo não deixa que elas tomem seus próprios rumos.

-Você é que está insatisfeita em trabalhar em uma merda de locadora e fica botando culpa no mundo.

-Eu trabalho aqui porque eu quero, para arranjar uma grana – ela retrucou.

-Pra fazer o quê? – ele disse

-Pra viajar.

-Viajar? – eu disse.

-É cara, pegar uma mochila e sair por aí para conhecer pessoas e lugares. Ter uma experiência real de vida. – ela disse.

-Você não tem coragem... – Edu disse.

-Talvez não, talvez chegue uma hora em que eu desista, mas não tenho outra idéia em mente, por enquanto esse é meu objetivo.

-Que tal estudar em vez de ficar por aí vagabundeando?

-Não tô afim, e outra que eu posso depois da viagem escrever um livro e ganhar bastante dinheiro – ela diz mostrando um empolgamento envergonhado.

-Você já ta meio velha para ficar pensando assim, que nem uma adolescente tonta – Edu disse.

-Ahhh, falou o velho – Ana disse.

-Ô Ana, o que o Edu ta querendo dizer é que chega uma hora em temos que seguir as “regras”, entende, senão a gente se dá mal, essas merdas assim – eu disse.

-Pode ser, mas não temos que concordar com elas – ela completou.

-É... – eu disse.


Não tínhamos mais o que falar. Ficamos parados com nossas visões pessimistas de em mundo em que não passamos de mais três tijolos no muro. E ai do tijolo que se desgrudar! É bom que tenha asas, ou as compre!

Então o Luís chegou, nos viu e disse:

-Mal acabou o final de semana e já estão aí programando a festa do próximo sábado, né garotada?

-É... – suspiramos em uníssono.


Ministério da saúde adverte. Pensar muito faz mal a saúde. Se persistirem os sintomas, um bar deverá ser consultado.

3 comentários:

Anônimo disse...

Caro autor

Friedrich Nietszche seguia três idéias fundamentais da filosofia de Arthur Schopenhauer:
a) a inexistência de Deus;
b) a inexistência de alma;
c) a falta de sentido da vida, que se constitui de sofrimento e luta, impelida por uma força irracional, que podemos chamar de vontade.

No entanto, Nietzsche considera, ao contrário de Schopenhauer, que o mundo é nossa única realidade e que devemos aproveitá-lo em sua plenitude.

A bem da verdade, Nietzsche não era um deprimido chato, mas sim alguém que enxergava a vida como ela era e propunha soluções para aproveitar o que o mundo tem a oferecer de bom. Pois, como você disse em seu (bem escrito) texto, temos "regras", porém essas mesmas regras possuem brechas. Só reclama da vida quem não está apto a vê-las.

Finalmente, a diferença entre estes dois ilustres filósofos e a citada Ana é que enquanto eles são pensadores bem fundamentados, ela está entorpecida pelo pessimismo juvenil. Muito cuidado quando se referir aos ditos filósofos como "uruca".

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Gabriel Lisboa disse...

Obrigado pelo comentário a respeito de Nietszche e
Schopenhauer.
Mas quando os citei, foi para ilustrar uma espécie de confusão em que a personagem Ana distorce os pensamentos em comum desses dois filósofos(tidos como pessimistas), acreditando num pessimismo, que rege a sua vida.
E a respeito de "uruca", esta palavra não foi usada para se referir aos dois filósofos, mas sim ao pensamento da Ana: depressivo, referente ao azar

Anônimo disse...

Boa tarde

Antes de mais nada, se escreve Nietzsche, não Nietszche.

Sim, eu entendi que a personagem Ana distorce os pensamentos dos filósofos em questão, o problema é que os menos avisados talvez não entendam que a personagem distorceu, existe a possibilidade de assimilarem que os dois filósofos são "uruca" realmente, o que seria muito desagradável. Você poderia ter sido mais enfático no ponto onde "a personagem distorce os pensamentos em comum desses dois filósofos", mas não apenas em seu comentário-resposta ao meu, e sim em seu texto, para não dar margem à compreensões erradas acerca de sua idéia.
Obrigado por considerar minha opinião.