Infelizmente a RST Vídeo onde eu trabalhava fechou. Outras lojas estavam fechando e a hora da minha segunda casa também chegou. A desculpa de sempre é que a pirataria está tomando conta da casas dos brasileiros cada vez mais e as locadoras têm um público cada vez menor. Pode até ser, mas ainda, felizmente, não é um estado tão alarmante, já que a RST Vídeo em que eu trabalhava tinha um fluxo até que razoável de locações, mas também não sou especialista no assunto então não tenho estatísticas à mão para expor fatos.
Mas eu fui transferido para uma loja maior e a antiga RST deve ter virado um bar ou uma lan house.
No novo estabelecimento, que agora usufrui dos meus árduos dias de labuta, eu começo umas dez da manhã e saio lá pelas quatro e meia, cinco da tarde. Como o meu novo chefe é bem sossegado e ele mesmo abre a locadora, tenho essa, digamos, flexibilidade de horário. E ele também não fica muito tempo por lá, e vai andar por aí gerenciando outras lojas da franquia e sei lá mais o que. Então posso dizer que pouco da minha rotina mudou, só uns dez minutos a mais de buzão.
Junto comigo, “abre” a locadora um cara chamado Eduardo que é bem quieto e gosta de zombar das piadas do Luís, o chefe, depois que ele sai, nas quais temos que demonstrar aquele profissionalismo dando uma risada de cortesia, mas quem não faz isso, não é verdade?
Continuando, o Eduardo tem esse jeito meio de saco cheio e fala somente o necessário para demonstrar o mínimo de simpatia comigo e com os clientes. O que para mim não é ruim, nem desagradável, porque eu sei o quê é ouvir merda várias horas por dia. Enquanto trabalhei na locadora menor tinha um cara que às vezes, nos horários com mais movimento, fazia turno comigo e que não sabia nada de nada e são essas pessoas que mais falam.
Nesses últimos dias essa foi a maior, senão a única, conversa que tive com o Eduardo:
- O quê que você está ouvindo? – eu perguntei.
-Oi?
Indiquei na minha orelha para sinalizar o fone, com jeito de pergunta.
-Ahnn. É Flaming Lips.
Parece engraçado, mas nunca conheci um pagodeiro que trabalhasse numa locadora. Parece me que é um emprego destinado à nerds ou roqueiros aposentados de suas bandas. É como jogador de futebol, acho que nunca ouvi falar de um que fosse fã de Slayer ou Megadeath.
-Hum, conheço pouco.
-Você não curte?
-Não, é que não conheço mesmo. Passou um show deles uma vez na MTV onde eles tocaram War Pigs e Bohemian Rhapsody, então por causa dessas músicas, eu acabei assistindo o show. Depois li que é uma banda bem conceitual e muito boa.
-E é mesmo, é uma das minhas favoritas.
-Acho que Bohemian Rhapsody é minha música favorita.
-Como assim? – ele perguntou.
-Como assim o quê?
-Cara, é quase impossível ter uma música favorita, música é meio que coisa de momento, então definir somente uma entre milhares é generalizar demais, você deve ter uma de cada estilo ou banda, pelo menos.
-È, pode ser, mas...
-Você as separa em posições?
-Não, nunca parei para pensar em um ranking, quer dizer acho que já, mas nunca chego em conclusão alguma.
-Mas é claro, né cara. Existem muitas músicas e você as ouve com muito mais freqüência do que vê um filme ou lê um livro. Às vezes você acaba em uma semana ouvindo bastante uma música e depois acaba até esquecendo dela.
-Mas eu também não fico ouvindo muitas e muitas músicas diferentes. Tenho minhas bandas preferidas e acabo ouvindo mais elas mesmo, mas às vezes dou uma fuçada para descobrir coisa nova. Quer dizer nova pra mim, porque o que eu mais ouço é música antiga.
-Porque só às vezes? – ele disse.
-Olha cara, algum tempo atrás eu procurava muita coisa, e ouvia muita coisa, porque eu tinha essa gana de saber muito. O motivo eu não sei direito, acho que eu gostava de ir atrás e ler sobre música, cinema e outras coisas. Ainda acho legal. Antes disso, quando era mais novo, um moleque, alguém mostrava ou falava de uma banda que eu não ouvia, eu invariavelmente falava que era uma merda. Depois fui ver que estava sendo meio tonto.
Pausa para atender um cliente.
-Uma vez – eu continuei – meu primo colocou para que eu ouvisse a Starway To Heaven, e eu comecei a ouvir aquela introdução com o violão e flauta e acabei dizendo que não tinha gostado e perguntei como aquela música poderia ser um clássico do rock.
-Putz, cara!
-É, eu sei, mas eu era ainda um jovem Padawan com muito a aprender e uma melodia mais bem elaborada no meio do barulho que meus ouvidos estavam acostumados me causou estranhamento. Estava numa fase Ramones e Nirvana.
-Mas depois você começou a gostar de Led?
-Muito, mas também não deixei de gostar de uma sujeira punk, mas só que menos. Porque como eu disse, comecei a ler, ouvir e ver muita coisa. Então fiquei meio perdido e só depois comecei a ver o que eu realmente curtia. O que também aconteceu com os filmes.
Assisti à vários filmes meio que como uma obrigação. Assisti filmes clássicos e famosos só para depois poder dizer que, eu tinha visto um filme da Marlyn Monroe ou do Alfred Hitchcock, entre outros. Acabei passando para frente pedaços de Apocalypse Now e Laranja Mecânica quando os assisti pela primeira vez. Eu sei que foi uma grande besteira, mas que depois foi reparada com a devida apreciação destes clássicos, um tempo mais tarde.
-Hehehehe, falou bonito. Mas então quais são os filmes que você mais gostou depois de tudo isso?
-Não sei bem. Tem uns que eu gosto muito, mas para fazer um ranking, eu acho que existem vários fatores a serem levados em conta.
Por exemplo, no caso dos filmes, você tem que assistir pelo menos três vezes a um filme para colocá-lo em uma lista de favoritos. Uma para conhecer, outra para rever e uma terceira para ter certeza. Aí sim você pode dizer que gosta mesmo dele. E eu acho também que você tem que diferenciar os seus favoritos e os que você acha que são os melhores filmes de todos os tempos, porque as pessoas às vezes se confundem com isso.
Às vezes você gosta muito de um filme que por muitos é considerado uma merda, mas é o seu gosto e pronto, acabou. Mas se você abre uma discussão de “Os Melhores”, as pessoas vão ter o direito de discordar.
-É verdade. Acho que eu vou tentar fazer minha lista de filmes – Eduardo disse.
-Pra passar o tempo?
-Também, mas eu acho que deve ser um bom exercício de introspecção.
-Hehehe. Você é da linha do você é o que você gosta?
-Não totalmente, mas acho que essas coisas importam um pouco na hora de definir nossa personalidade.
-Pode ser... Nossa, ficou meio Alta Fidelidade esse papo.
-Alta Fidelidade?
-É um filme baseado em um livro em que são discutidas essas idéias.
-Nunca ouvi falar.
-Pode anotar aí que é bom.
Aí a gente começou a fazer as listas, mas no final do dia não conseguimos chegar à um maldito veredicto, em nada.
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