Sabe quando o Garfield reclama das segundas-feiras? Se ele trabalhasse numa porcaria de uma locadora então teria motivos maiores para um ataque de stress matinal. Agora, além de ser preguiçoso como o gato gordo, também peguei raiva do dia que começa uma semana na prática.
Segunda é o dia de arrumar toda a bagunça deixada pelo movimento do final de semana. Temos que arrumar prateleiras, dar baixas em filmes devolvidos, cobrar os relapsos que esqueceram de devolver os seus e até dar uma limpada no lugar.
E parece que deixaram uma bagunça de semanas para que eu começasse minha primeira segunda na nova RST com o pé, na porta. Se eu encontrasse O Massacre da Serra Elétrica junto com os filmes do Rei Leão não me assustaria.
Para nos ajudar, Eduardo e eu, foi recrutada uma garota chamada Ana, do turno da noite, que ganhou esse “castigo” por ter xingado o Luís.
-Por que você não foi despedida? – o Edu perguntou.
-Porque eu o xinguei com razão – Ana respondeu.
-Por que você o xingou?
-Não vou falar, mas não é isso que vocês estão pensando.
-Que modéstia, hein!
-Vê se te manca cara – ela disse.
Eles discutiram mais um pouco, mas eu caí fora porque não estava afim de ouvir porcarias.
No meio da arrumação, uma mulher começou a bater na porta querendo entrar.
-Hei! Johnny, vai lá falar com ela – o Edu disse.
-O quê eu falo? – eu disse.
-Não, deixe que eu vou – Ana interrompeu.
E ela foi.
-Pois não? – Ana começou.
-Eu queria pegar um filme – respondeu a mulher.
-É verdade? Achei que você estava procurando por tapetes!
-Hahaha, vai abrir ou não?
-Não. A gente está arrumando a locadora. Não sabe ler? – Ana indicou o aviso na porta.
-E daí? Já deu o horário de ela estar aberta!
-Então porque você não entra e...
E antes que a Ana continuasse, eu a interrompi para que quando o Luís voltasse, não encontrar corpos mutilados no chão da RST. A mulher pegou o filme e foi embora jogando pragas.
-Aí que raiva dessas pessoas que se acham donas de tudo – Ana disse.
-Mas qual era o problema dela pegar um filme? – eu disse.
-A gente estava fechado e pronto. Se todos ficarem abrindo concessões para todo mundo...
-Ela tá de TPM – Edu disse.
-Cala a boca meu, seu machista do caramba, uma mulher não pode ficar irritada?
-E porque você tá tão irritada? – eu disse.
-Essas pessoas que me deixam irritada!
-Imagine se você trabalhasse de garçonete ou de operadora de tele-marketing – eu disse.
-Ou de síndico – Edu acrescentou.
-É, essas pessoas, sim, ouvem muita merda.
-Não é isso. O problema é que as pessoas andam por aí todas irritadas pra lá e pra cá, xingando Deus e o mundo porque suas vidas são uma montanha bem grande de bosta estressante – Hehehe, ela falou assim mesmo.
-Olha quem fala – o Edu disse.
-Eu incluída né, cara!
-Você devia ficar no seu quarto, trancada, ouvindo The Cure e Joy Division chorando as pitangas.
-O que isso tem a ver meu?
-Você é muito pessimista.
-Não sou pessimista, sou realista – ela completou.
Agora eu acho que ela deve ler umas coisas tipo Schopenhauer e Nietzsche. Que uruca!
-Na minha opinião as pessoas ficam reclamando porque tem medo de sair de suas zonas de conforto e fazer outras coisas – Edu disse.
-Como assim? – ela perguntou.
-É que, não fazer nada e reclamar é mais cômodo, capisce?
-Nada a ver cara, as pessoas não têm o que fazer, o mundo não deixa que elas tomem seus próprios rumos.
-Você é que está insatisfeita em trabalhar em uma merda de locadora e fica botando culpa no mundo.
-Eu trabalho aqui porque eu quero, para arranjar uma grana – ela retrucou.
-Pra fazer o quê? – ele disse
-Pra viajar.
-Viajar? – eu disse.
-É cara, pegar uma mochila e sair por aí para conhecer pessoas e lugares. Ter uma experiência real de vida. – ela disse.
-Você não tem coragem... – Edu disse.
-Talvez não, talvez chegue uma hora em que eu desista, mas não tenho outra idéia em mente, por enquanto esse é meu objetivo.
-Que tal estudar em vez de ficar por aí vagabundeando?
-Não tô afim, e outra que eu posso depois da viagem escrever um livro e ganhar bastante dinheiro – ela diz mostrando um empolgamento envergonhado.
-Você já ta meio velha para ficar pensando assim, que nem uma adolescente tonta – Edu disse.
-Ahhh, falou o velho – Ana disse.
-Ô Ana, o que o Edu ta querendo dizer é que chega uma hora em temos que seguir as “regras”, entende, senão a gente se dá mal, essas merdas assim – eu disse.
-Pode ser, mas não temos que concordar com elas – ela completou.
-É... – eu disse.
Não tínhamos mais o que falar. Ficamos parados com nossas visões pessimistas de em mundo em que não passamos de mais três tijolos no muro. E ai do tijolo que se desgrudar! É bom que tenha asas, ou as compre!
Então o Luís chegou, nos viu e disse:
-Mal acabou o final de semana e já estão aí programando a festa do próximo sábado, né garotada?
-É... – suspiramos em uníssono.
Ministério da saúde adverte. Pensar muito faz mal a saúde. Se persistirem os sintomas, um bar deverá ser consultado.